SOCIALISMO: Um Projecto de Sociedade

Miguel Judas

A dimensão social no Socialismo: O Indivíduo e a Comunidade

Não vamos perder tempo a comentar essa anormalidade chamada individualismo burguês, negada pela vida a todas as horas. Nem os burgueses "acreditam" nisso pois senão não desenvolviam a sua solidariedade de classe contra o proletariado. Se "acreditassem" nessa patranha seriam varridos do poder num segundo. Além do mais, como é que se conservariam no poder se não criassem uma "sociedade" com os políticos, os polícias, os militares, os padres, os "comunicadores", os juízes e os carcereiros? Para não referir que nem eles próprios seriam "burgueses" se não conformassem uma sociedade com os produtores proletários. Uma sociedade perversa é certo, mas uma sociedade. O individualismo é uma mentira ideológica, intencional, apresentada como "facto inato" com o único propósito de fornecer aos proletários um factor de divisão da classe e a ilusão de que por seu intermédio é que poderão vir a ter uma vida melhor. Toda a história do Homem, mesmo muito antes de ser "homo sapiens", prova o contrário, que só através da cooperação e do trabalho social foi possível sobreviver e evoluir. O Homem, ele próprio, é um "produto social". Geneticamente, resulta da associação de dois seres autónomos; culturalmente, resulta das interacções sociais simples e complexas que, desde o nascimento até à morte, vai realizar com a sociedade. Em muitos países, a esmagadora maioria dos indivíduos tem um horizonte de conhecimento territorial e de vivência social muito circunscrito, realizando nesse horizonte todas as suas funções vitais, reprodutivas e culturais. Nos países mais avançados, só há poucas décadas a mobilidade territorial e social foi substancialmente aumentada, quer em distância quer em frequência. O Homem não é uma máquina que "liga" e "desliga" em qualquer momento e ambiente desde que tenha uma fonte de energia. Uma mesma máquina pode numa hora estar a produzir medicamentos para salvar vidas e na hora seguinte a produzir contaminantes para a guerra química e biológica. Biológica e culturalmente, o Homem não é assim; tem "limites" e, também, potencialidades que as máquinas não têm. A experiência condensada nas organizações do tipo militar e empresarial indica que cada indivíduo só depois de um ano de trabalho aplicado estará em condições de se sentir "identificado" e de manter uma relação funcional minimamente eficiente no âmbito de um grupo de 50 a 150 pessoas. Quanto maior a empatia necessária para a função desejada entre os membros do grupo, menor terá de ser este. Este fenómeno, que reproduz o padrão de sub-divisão das comunidades humanas primitivas, evidencia que há um limite, quantitativo e qualitativo, para as interacções pessoais para se manter um determinado nível de eficiência funcional e dá fundamento à estratificação hierárquica de grupos muito numerosos. O facto de cada um dos "objectos" da interacção social não ser imutável no tempo, encontrando-se em constante evolução, torna o seu "seguimento" muito mais complexo, o que não acontece com as máquinas, as quais mantêm, geralmente, as mesmas características funcionais. Esta abordagem "cibernética", empiricamente fundada, mostra que cada indivíduo necessita de ter uma relação continuada com um mesmo grupo (que pode englobar diversos conjuntos, contíguos ou não) a fim de tornar efectivos os seus intercâmbios culturais e obter níveis satisfatórios de funcionalidade. Esse grupo poderá designar-se como a comunidade auto-centrada, havendo tantas quantos indivíduos houver. Cada comunidade auto-centrada articula-se com as outras numa vasta rede entrecruzada, correspondendo a cada indivíduo fazer parte de tantas comunidades auto-centradas quantos os indivíduos que constituem a sua própria. A envergadura e complexidade de cada comunidade auto-centrada varia de indivíduo para indivíduo, consoante as suas próprias necessidades e iniciativa. Num sentido mais amplo, as comunidades auto-centradas poderão incluir outros seres vivos, animais e plantas, que desempenhem alguma função (produtiva, cultural ou afectiva) na realização pessoal dos indivíduos. Indivíduos que mantenham comunidades auto-centradas demasiado extensas normalmente passeiam pelas relações sem as aprofundar e sem delas tirar a intensidade e o proveito desejados. É o caso, por exemplo, de muitos cibernautas modernos que, apesar de estabelecerem contactos com milhares de "amigos", vivem em profunda e caótica solidão. Comunidades auto-centradas demasiado restritas conduzem ao definhamento social dos indivíduos e a uma vida de mera sobrevivência, como é o caso mais frequente de muitos idosos. Todos os indivíduos são livres de estabelecer e alterar, a todo o momento, as suas comunidades auto-centradas e, consequentemente, de estabelecer a sua família, escolher as comunidades socio-territoriais e funcionais (produtivas, culturais, de estilos de vida, etc.) onde se desejam inserir, no exercício do seu livre arbítrio e no quadro da democracia integral. A Liberdade e autonomia de decisão individuais, prometidas pelas revoluções burguesas na sua fase progressista e transmutadas em atomização e exclusão social pelo capitalismo maduro, serão finalmente realizadas no âmbito da dimensão libertária do Socialismo. Esta dimensão libertária inclui, naturalmente, a responsabilidade de cada um por si próprio e, portanto, a liberdade e a capacidade de iniciativa no plano da produção material e dos serviços, quer individualmente quer no quadro da produção social democraticamente promovida e regulada, do trabalho social levado a cabo pelas "associações livres de produtores". Esta liberdade de iniciativa implica o acesso aos meios de produção ao dispor da sociedade e, em consequência, a concretização plena do "direito ao trabalho" como condição básica para a auto-responsabilização e a realização individual e social. Aliás, a partir da plena soberania e responsabilidade individual e do acesso irrestrito à informação, ao Conhecimento e ao uso dos meios de produção fará algum sentido a expressão política "direitos humanos"? Lamentavelmente, esta expressão continua ainda hoje, nas condições da opressão capitalista e dos seus agentes, a ter muita actualidade pela situação aberrante de as classes dominantes terem, no decurso da História, sucessivamente eliminado e diminuído os direitos naturais dos seres humanos e de se terem constituído elas próprias no direito de conceder direitos! Do que se trata, pois, na luta pelos "direitos humanos" não é da concessão ou a "conquista" dos referidos direitos mas sim na sua recuperação pelos seus legítimos e naturais detentores. Os "direitos humanos" não se pedem, exercem-se!

A Família Socialista

A Família constitui o conjunto mais forte e estável das comunidades auto-centradas de cada indivíduo, onde o nível de empatia, de identificação e de responsabilidade mútua são mais elevados. Assim sendo, a Família socialista desvincula-se das formas e dos conteúdos que lhe são atribuídos na sociedade capitalista e do seu estatuto de "contrato jurídico", e passa a assumir o seu carácter eminentemente social e livre. Dentro desta grande flexibilidade, a sociedade socialista defende o direito inalienável de todas as crianças terem uma Família, um conjunto social que deverá, em princípio, incorporar os pais biológicos, os irmãos e outros parentes, vizinhos e amigos e, eventualmente, outros seres vivos, com o qual estabeleçam uma grande empatia e que contribuam para os seus processos de desenvolvimento integral. Na sociedade socialista é um dever de todos os cidadãos contribuírem, como pais sociais, para o desenvolvimento integral de todas as crianças e jovens e, em primeiro lugar, como pais biológicos, dos filhos por si gerados. No Socialismo os elementos agregadores das Famílias são a empatia, a responsabilidade pessoal e social e a Moral socialista, não havendo quaisquer laços de dependência económica nem outros instrumentos de coação entre os seus membros. Os cidadãos agrupam-se, em primeiro lugar, em núcleos familiares que partilham em comunhão a mesma habitação, os seus bens, todas as tarefas relativas à reprodução social, bem como os projectos e realizações pessoais e sociais de cada um, constituindo um lar. Cada núcleo familiar, fazendo convergir em si as diversas comunidades auto-centradas dos seus membros, converte-se num nó de primeiro nível da rede social geral. Os diversos núcleos familiares poderão agrupar-se em comunidades familiares nas quais, para além dos espaços privados, sejam criados espaços de utilização colectiva e desenvolvidas toda uma série de actividades comuns, desde as tradicionais tarefas domésticas, à educação e guarda das crianças, à partilha de equipamentos, até às actividades culturais, lúdicas, produtivas e outras, para benefício das comunidades familiares ou da comunidade em geral. Estas comunidades familiares integram o que hoje normalmente se designa por "relações de vizinhança" corporizadas em: - associações de "moradores" ou de "vizinhos", quando cada lar é autónomo, isto é, quando incorpora todos os espaços e funções necessários à vida quotidiana partilhando somente os espaços exteriores, públicos, e os respectivos equipamentos, serviços e infraestruturas; - comunidades familiares propriamente ditas, assentes em espaços privados para cada família e em espaços comuns de serviços domésticos e de convívio e lazer e, eventualmente, de carácter produtivo, como pequenas oficinas, espaços agrícolas e de criação de animais, etc., utilizados em comum. Em toda a Escandinávia, à semelhança dos outros países europeus, há grupos que formam comunidades residenciais baseadas no conceito de espírito comunitário. ... As pessoas que vivem nestas comunidades consideram que podem assim beneficiar da combinação entre uma vida familiar e uma vida comunitária, impossível de obter em condições habitacionais normais. As vantagens são numerosas. Organizadas numa base colectivas, as tarefas domésticas encontram-se simplificadas e as despesas reduzidas. O jantar é frequentemente preparado em comum por toda a comunidade. Graças à instituição de turnos, cada pessoa passa menos tempo a fazer compras, a cozinhar ou a lavar a louça. «Não demora mais tempo fazer esparguete para vinte pessoas do que para quatro.» A compra dos alimentos em grandes quantidades representa uma economia não só de tempo mas também de dinheiro. As mulheres consideram que repartir as tarefas domésticas é mais fácil de estabelecer no seio de um grupo de certas dimensões do que com um único homem. Se todos aceitaram participar nas limpezas, na cozinha, na lavagem da roupa e nos cuidados a prestar às crianças, os homens não conseguem escapar a isso tão facilmente como numa família normal. As crianças, pensa-se, sentem-se felizes no seio das comunidades. Mais do que meros companheiros de brincadeiras, encontram aí um grande grupo de irmãos e irmãs; e há sempre por perto um adulto, junto do qual poderá ir à procura de protecção." História da Família": André Burguière e outros; 4º Volume. Ed. Terramar, Portugal - ou, ainda, sob a forma elementar de "condomínios", normalmente existentes em edifícios de habitação colectiva, para gestão dos espaços e assuntos comuns, com pouco alcance social. As comunidades familiares constituem um nó de segundo nível da rede social geral. Uma reforma socialista das relações familiares e de vizinhança comunitária deverá ter reflexos na própria re-conceptualização do "habitat", na arquitectura dos espaços habitacional e comunitário de modo a favorecer a socialização do máximo de actividades e funções em condições de eficiência social, económica e ambiental. Extintas as considerações económicas subjacentes à família actual, moldada pelo modo de produção e a ideologia capitalistas, o "casamento" e o "divórcio" perderão o seu carácter de actos jurídicos para se transformarem em actos exclusivamente sociais, unicamente dependentes das decisões livres e autónomas dos indivíduos envolvidos, salvaguardadas as responsabilidades para com os filhos.

Complexos de Economia Familiar

O universo produtivo socialista não se limita ao tradicional "mundo empresarial". Comecemos por nos debruçar sobre a enorme quantidade de trabalho que os cidadãos e as suas famílias despendem na execução de muitas tarefas ligadas à reprodução simples das suas existências, tais como a alimentação, a reparação doméstica, o tratamento do vestuário, educar e olhar pelos filhos, tratar de idosos, tratar de hortas familiares e animais de criação, etc. Estas tarefas, desenvolvidas individualmente e em pequena escala, consomem grande parte do tempo e das energias, especialmente das mulheres, tendendo a mantê-las num certo isolamento relativamente à vida social mais vasta. A socialização de muitas dessas tarefas numa base comunitária disponibilizaria muitas horas que poderiam ser utilizadas em outras actividades socialmente úteis e num "caldo social" tendente à valorização social e cultural de muitos cidadãos. Independentemente de outras medidas relativas à salvaguarda dos direitos naturais dos cidadãos e de salvaguarda da sua dignidade humana, designadamente de mulheres, crianças e idosos, seria importante que as organizações comunitárias estabelecessem redes de refeitórios, lavandarias, oficinas de costura e outros centros populares de manutenção e melhoramento doméstico e habitacional, bem como unidades colectivas de produção agrícola e de pequenos animais, de abastecimento de água e saneamento, bem como de creches e unidades de formação, centros de atendimento de idosos, de convívio social e de promoção cultural (bibliotecas, videotecas, infocentros, grupos artísticos, etc.), e outras actividades tendentes à socialização das tarefas domésticas e à incorporação das reservas humanas assim libertadas no conjunto das actividades produtivas e de serviços comunais. Ainda no âmbito da economia familiar existem outros domínios onde a socialização deverá entrar, em oposição ao consumismo capitalista, sem colocar em causa o conforto e a privacidade dos lares familiares, designadamente quanto à aquisição e utilização colectiva e partilhada, no quadro da associações de vizinhos ou da comunidade, de numerosos bens, de modo a proporcionar a sua utilização generalizada evitando investimentos desnecessários em bens duradouros e a elevar as taxas de utilização dos activos existentes. Englobam-se aqui equipamentos e apetrechos domésticos de reduzida utilização, ferramentas, meios de transporte, equipamentos e materiais de cultura e desporto e outros bens muitas vezes inacessíveis para os agregados familiares com menos recursos. Iniciativas deste tipo poderão parecer pouco expressivas numa sociedade mais ou menos moderna e quanto aos seus efeitos económicos. Porém, é indiscutível o seu valor pedagógico enquanto formadoras de uma nova cultura de consumo e de uma cultura de cooperação, partilha e solidariedade socialistas. E, se forem multiplicadas de modo a abrangerem milhões de agregados familiares, não deixarão de ter um apreciável efeito económico. Ainda no plano da vida familiar, a revolução socialista implica uma profunda reforma dos esquemas tradicionais de divisão do trabalho, no sentido da completa erradicação de modelos culturais-ideológicos pré-concebidos, capitalistas e retrógrados, valorizando a igualdade, a polivalência e a rotatividade de tarefas entre todos os membros da família, salvaguardando as condições objectivas de cada caso. É logo no seio das relações familiares, como célula primordial da nova cultura socialista, que o respeito pelos direitos e pela individualidade de cada cidadão, o sentido de cooperação, de solidariedade e de responsabilidade social deverão ser afirmados, replicando-se sobre toda a sociedade. Pelo contrário, a manutenção da velha cultura de dominação e de obediência, própria do capitalismo, persistirá no tempo e tenderá a recrudescer, por muito avançado que se pense estar o processo de transição para o socialismo "no exterior", no âmbito geral da sociedade. Se bem que estes dois processos se condicionem mutuamente, não se deverá pensar que a "revolução democrática e socialista familiar" irá decorrer "automaticamente" como consequência da revolução à escala global da sociedade. De um modo imediato, a orientação exposta visa três objectivos prioritários, focados em anomalias familiares muito difundidas: - Libertar as mulheres da sua função de "serva do lar", permitindo o seu desenvolvimento pessoal e a sua maior inserção social; - Educar as crianças e adolescentes no espírito do trabalho cooperativo e da responsabilidade perante os seus deveres sociais; - Erradicar nos homens as posturas machistas de dominação, reprodutoras do hierarquismo capitalista. Uma família socialista, o berço da cultura de Liberdade e de responsabilidade, não pode ser constituída com base em relações de "dependência económica", no uso da violência e de ameaças. Pelo contrário, deve basear-se em relações de amor, respeito mútuo, cooperação, solidariedade e responsabilidade entre indivíduos livres.

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Por: Miguel Ángel Sámano Rentería y Ramón Rivera Espinosa. (Coordinadores)

Este libro es producto del trabajo desarrollado por un grupo interdisciplinario de investigadores integrantes del Instituto de Investigaciones Socioambientales, Educativas y Humanísticas para el Medio Rural (IISEHMER).
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